Marcus
Rampazzo entrevistou Steve Howe no dia seguinte ao último
show do Yes em São Paulo. Veja a seguir essa entrevista
sensacional com um dos maiores guitarristas e colecionador de
guitarras vintage.
Com vocês Steve Howe:
MR:
Você foi o primeiro músico
a usar instrumentos raros - como lapsteels, Coral Sitar e Gibsons
Switch Masters dentro do cenário musical do rock. Você
ainda faz questão de manter essa tradição
?
Howe -
Sim. Tanto que em Quantum Guitar, eu usei instrumentos que jamais
havia usado em outros discos. E essa mesma concepção
vai estar presente em Master Guitar um álbum que vou lançar
em breve, onde estarei tocando todos os instrumentos da coleção
de Scott Chinery (considerado um dos maiores colecionadores de
instrumentos raros do mundo). Fui acompanhado neste projeto por
Marua Taylor, que é um guitarrista de jazz escocês
simplesmente brilhante.
Voltando ao Quantum Guitar, quis fazer desse disco uma espécie
de veículo para minha coleção de guitarras.
Por isso, as canções nele contidas possuem uma estrutura
diferente do atual...
MR:
Nos dê um exemplo.
Howe - "Em Momenta" e "Mosaic", não
há melodia ou ênfase na estrutura, são canções
simplistas, acabaram permitindo que eu improvisasse de várias
formas diferentes.
MR:
A primeira vez que ouvi um E-bow na minha vida foi num disco do
Terje Rapdal. A segunda, foi em "All is a Chord", do
The Steve Howe Album.
Você ainda usa este equipamento ou trocou-o pelos sintetizadores?
Howe-
Ah, o E-bow é um instrumento do eu gosto muito. Usei-o
também no Yes, na faixa"Awaken"(do álbum
Going for the One). Só que a maioria dos músicos
usa este instrumento na área elétrica, enquanto
que eu uso no acústico. Foi assim nesta música que
você citou, quando o usei nas cordas desencapadas, ou seja,
mi e si.
Não gosto de sintetizadores (neste momento, Howe faz uma
careta de insatisfação), pois possuem um som 'cravado',
já pronto. Já usei o DG System da Roland, mas prefiro
os sons de guitarra que identifiquem como eu estou tocando. O
único aspecto positivo dos sistemas sintetizados é
o programa de processamento. Com o auxílio dos cartões
do Korg A-3, consigo tirar bons sons dali.
No mais, gosto mesmo é da guitarra ligada diretamente no
amplificador. Acho que muito processamento destrói aquilo
que costumo chamar de 'guitarrismo'. Veja, ontem (esta entrevista
foi feita no dia posterior à última apresentação
do Yes em São Paulo), tive um problema terrível
com os cabos estéreo durante o show, pois eles não
funcionaram. Como todo mundo estava tentando solucionar o problema
sem sucesso, pedi ao meu roadie que começasse pelas soluções
mais simples. Ele trocou o cabo e tudo voltou a funcionar! Elementar
(risos)...
MR:
Como você toca com archtops
(guitarras semi -acústicas) sem ter feedback?
Howe
- Logo quando aprendi a tocar, aprendi a usar os pedais de
volume para contornar isso. No inicio eu usava um De Armond, pelo
simples motivo de Chet Atkins usar um (risos). Quando comprei
uma guitarra ES 175 D, em 1964, eu já tinha tido três
archtops antes...
Eu sempre toco guitarra com pedal de volume, porque mudar a expressão
de meus acordes soa interessante aos meus ouvidos. Quando há
feedback, uso este pedal, pois eu sempre uso a guitarra com o
volume máximo, nunca muito grave nem muito agudo no amplificador.
É legal poder criar feedbacks quando eu quero. Nunca usei
esponjas dentro da guitarra, como muita gente costuma fazer. Sempre
uso os volumes entre3, 5 e 4, nada mais.
Lembro-me que, quando ensaiávamos para gravar o Tales From
Topographic Oceans, eu decidi tocar com uma Gibson L-5, que dava
uma quantidade enorme de feedbacks, coisa que não acontece
com a Switch Master e a 175.
MR:
Quando ouvi "Double Rondo"
pela primeira vez, fiquei com um nó na garganta de tanta
emoção (risos gerais). Você usou o Echoplex
para gravar? Como é que esta música surgiu?
Howe
- Apesar de ter gravado com uma guitarra, escrevi tudo no
violão. Feito isso, me uni a Andrew Jackman e dei a ele
uma fita com os arranjos dos naipes, com a recomendação
de que ele fizesse um arranjo para guitarra de tudo aquilo. Toquei
e gravei tudo junto, coisa que me deixou muito emocionado, pois
ouvir aquele clímax de orquestra... Há também
ali um pouco de improvisação, que é elemento
constante na minha música.
Gravei em seguida a música de Vivaldi sem Echoplex. Usei
um eco de fita chamado Studer, além de um distorcedor Big
Muff médio, que tem um som clássico. Gravei tudo
ao vivo, com uma orquestra com dezesseis instrumentos. Meu amplificador,
um Fender Twin Reverb, foi colocado numa cabine, separado da orquestra,
e nele foi conectada uma Gibson Les Paul, bem pesada e com um
som bem alto.
Em termos de método de composição, não
uso computadores para escrever as partituras. Gravo a música
direto nos gravadores e, quando termino, volto e ouço o
que gravei. Sei que terminei de compor uma música quando
paro de tocar. Quando você grava, você pretende extrair
o som que está na sua cabeça, obter o som desejado.
Esse é o motivo pelo qual eu gravo o som de guitarra limpo
e incluo os efeitos depois.
MR:
Qual é a música que mais o emociona?
Howe
- Acho que é "Revealing Science of Gods"
(do Album Tales From...). Gosto do que gravamos no Relayer, onde
o Yes se transformou numa outra banda. Mas tudo o que foi gravado
em Tales From... emociona-me, pois todas as minhas idéias
contida ali foram compostas antes de eu entrar no grupo. E "Revealing..."
foi a faixa em que entramos num grande oceano, perdendo o contato
com tudo e deixando de ser o grupo que éramos.
MR:
Como é que você
vê o futuro da guitarra?
Howe
- Sempre vão existir curvas de tradição
e de moda. A guitarra é uma responsabilidade nossa: devo
tocar do meu jeito e você, do seu. Ninguém sabe a
respeito do futuro. Eu mesmo já fiz previsões erradas
a respeito disso... O que um gênio como Villa Lobos acharia
do futuro? Quando ouvi Julian Bream (famoso violonista) tocando
sua obra, peças que haviam sido escritas há 40 anos
e que continuavam modernas fiquei atordoado! Aproveitando a ocasião,
gostaria que os seus leitores soubessem o quanto admiro músicos
como Leo Brower, Carlos Parnell e Martin Taylor. Tenho a convicção
de que eles serão o futuro! Assim como Martin Simpson,
um irlandês que toca violão folk e vive atualmente
em Nova York. Sua mão tem um sustain que eu nunca vi igual
em toda a minha vida.
MR:
Como você conheceu Scott Chinery?
Howe
- Através de Larry Acuto, editor da revista 20th Century
Guitar Magazine, que me disse que havia um colecionador com cerca
de 500 guitarras que queria me conhecer. Fomos até a casa
dele e eu fiquei pasmo! Enquanto minha coleção tem
apenas um exemplar de cada guitarra, ele possui dezenas de Les
Paul, por exemplo. Ele é um cara muito grande, que toca
bem, tem grandes guitarras e uma de suas razões de viver
é fazer com que a sua coleção se torne famosa.
Por isso ele pediu para que eu gravasse com as guitarras dele.
Eu e Martin escolhemos então 60 de suas guitarras e levamos
para os EUA, afim de grava-las no Master Guitar , que será
um disco sem Les Paul, sem Fender... Só usamos Gretsch,
como a White Penguin, D'Angélico Theatral e Maccaferris,
por exemplo.
E não foi só isso. Martin Taylor me apresentou um
holandês chamado Teo Schrarpac, que construiu um violão
onde eu tocarei "The Clap" num CD ROM que eu também
lançarei em breve, ensinando como tocar essa música.
MR:
Todos os instrumentos de sua coleção estão
em condições para tocar? Quem faz a manutenção
de seus instrumentos?
Howe
- Todas as minhas guitarras, violões e outros instrumentos
exóticos podem ser tocados a hora que eu quiser. Devo isso
a Andy Mianson, um luthier famoso na Inglaterra, que é
o responsável pela manutenção dos instrumentos.
MR:
Você ainda usa guitarras
Steinberger, não?
Howe
- Elas têm um som ótimo, são novas como
o meu violão holandês,que tem apenas cinco anos (risos).
Aprendi a usa-las no disco que fiz com Steve Hackett (com o grupo
GTR), quando toquei um baixo dessa marca e gostei do som. Tive
que admitir que o som dessas guitarras é ótimo,
ainda mais depois de ver Leslie West (o lendário guitarrista
do Mountain) tocando com uma num evento chamado Night of the Guitar.
Em 89, comprei duas delas, sendo uma de 12 cordas. Coloquei captadores
EMG e passei a usa-las nos shows do Yes. Vejo estas guitarras
como um quadro de Salvador Dali: São perfeitas. Ao contrario
das Ibanez, tipo Steve Vai, das quais não gosto.
MR:
Por que você prefere o violão Martin 00 aos D Size?
Howe
- Com relação aos D Size, não gosto do
som nem da posição, acho-os desconfortáveis.
Antes de comprar meu primeiro 00 em 68, só usava archtops.
Sabe, eu queria um som igual ao de Paul Simon , e quando o vi
tocando, logo quis um igual. Acho que o som deles tem mais 'presença',
principalmente o 00-18, que é onde eu toco "The Clap".
Tenho também um 00-45 e um MC 28.
MR:
Quando você toca "Wonderous
Stories" ao vivo, você usa um violão de doze
cordas de escala bastante curta. Que instrumento é esse?
Howe
- É uma guitarra portuguesa da década de 60,
com um sistema de captação especialmente desenvolvido
pela Barcus Berry, e que me foi dada de presente por minha irmã
depois de uma viagem à Espanha. Nunca havia visto uma delas
na Inglaterra. Desde então, tenho experimentado diversos
instrumentos daquela região, todos com resultados admiráveis.
MR:
Que violões você recomendaria
para nossos leitores?
Howe
- Eu, particularmente, recomendaria um Martin 001, que é
uma versão nova do 00-18. O Martin é um quadro acabado
da guitarra perfeita. Uma dica preciosa é que quanto menor
for o violão, melhor será o som dele no estúdio.
MR:
Quais são os guitarristas
que você recomenda aos músicos jovens que adoram
o seu estilo?
Howe
- Wes Montegomery, James Burton, Kenny Burell, Joe Pass...
Uma vez vi Wes pessoalmente na Inglaterra e... Olha, se a guitarra
lhe deixa feliz, deixe que os outros saibam disso. E Wes era mestre
nisso, ele tinha um carisma de alegria... Música é
isso!
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